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Pensamentos e Reflexões

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Anos 80




Eu tinha 13 anos quando fiz minha primeira viagem sozinha para o exterior, dessa vez não era o acampamento Coyote que eu amei muito, mas segundo os responsáveis pelo acampamento eu não tinha o perfil para isso. Eu amei e ainda amo com força acampamento, mas acharam que eu não tinha o perfil, assim como a professora de biologia naquela viagem para Ubatuba…, a história do perfil! Porque, qual é o perfil para sociabilizar? Eu sou muito tímida, pode acreditar, se um dia me viu rindo solta em algum lugar eu poderia estar muito animada ou mamada, ou no coração da minha turma, entre os que me acolheram ou estava disfarçando, lutando muito com minha timidez.

Eu tinha 13 anos quando fui para Disney com um grupo do Colégio Dante Alighieri, todos super privilegiados. Meus pais tinham acabado de se separar e mal acreditei quando minha colega Isabela me contou na escadaria de degraus miúdos do sino da escola, que eu era a única que o pai tinha pago a viagem de todo o grupo.

 Eu tinha 13 anos quando em um dos parques o grupinho entrou num estúdio de fotografia que oferecia por 19 dólares uma montagem de capa de revista, lembro como se fosse hoje, talvez três opções; uma tenista montada num saque, uma noiva de véu e grinalda segurando o buquê ou uma gatinha Playboy. Estávamos na década de 80 e a Playboy era das poucas revistas com conteúdo para adulto e eu adorava ler Playboy de ponta a ponta escondida no escritório do meu pai, porta com porta com meu quarto de boneca, na edícula da casa que nasci no bairro Vila Nova Conceição em São Paulo.

Eu tinha 13 anos e nada no bolso naquele momento, mas um garoto, o mais velho do grupo me ofereceu emprestado o dinheiro para fazer a foto e eu aceitei. Fiquei com vergonha de fazer a noiva, mais vergonha ainda da tenista que precisava de acting para clicar então fui para o lugar comum, uma blusa tomara que caia fechada com velcro atrás e um boá, frufru, sei lá o nome, sei que qualquer menina que se depara com aquilo sente vontade de tocar, se enrolar, fazer carão e certa da minha escolha fiz o clique, sem pensar no conteúdo da mensagem. Eu tinha 11 anos, era muito criança, não sabia nada além do meu mundinho de menina branca privilegiada classe média, protegida e caçulinha, super mimada por todos os lados!

Mas naquela viagem descobri muita coisa, foi a ponta de um iceberg que até hoje está me surpreendendo. Fiz a foto super sem graça com todo o grupinho observando e cochichando, essa foto, e continuamos o passeio pelo parque…, a noite chegou e finalizamos o dia assistindo um belo show de fogos que nunca vou conseguir esquecer! Pela beleza, grandeza digna da Disney e porque foi a primeira vez que senti o ódio masculino, sem entender nada. Hoje entendo exatamente o que foi aquilo e por isso fico organizando pensamentos para tentar explicar aonde está minha luta.

A vida correu, muita coisa aconteceu, e nunca perdi aquele sentimento de impotência, quando aquele menino mais velho que foi legal e me emprestou o dinheiro, depois de poucas horas me cobrou, me xingando de puta. Eu tinha 13 anos. Antes disso ele brincando com uma cadeira de rodas do parque (anos 80) perguntou se eu queria experimentar, confesso que até hoje se vejo uma brinco um pouco, falo sem remorso porque tive uma em casa, a do meu pai e várias vezes usei como mobília! Eu aceitei brincar, os fogos estavam estourando no céu, o clima era quase de Réveillon, festa mesmo, eu aceitei, ingenuidade e risadas altas, o vento lambia meu rosto e esticava meu cabelo, a velocidade foi ficando cada vez mais rápida e estranhei, olhei para trás e o moleque tinha me empurrado com toda força barranco abaixo, passei atropelando e assustando várias pessoas que estavam sentadas olhando o show. Eu me machuquei, mas na hora nem senti, muita vergonha, humilhada mesmo de levantar daquela cadeira e sair mancando enquanto assustadas as 

pessoas tentavam me ajudar achando que eu era portadora de alguma deficiência.

Chegando no Hotel aquele cara que eu comecei a ter muito medo veio me cobrar os 19 dólares, arrancou da minha mão o envelope pardo com todo o meu dinheiro e sei lá quanto ele pegou, devolveu o resto jogando na minha cara as notas e me chamando de puta!? Eu tinha 13 anos. A vida seguiu e não morri por isso, também nunca esqueci. Essa marra que muitos não entendem, que me perguntam da onde vem, vem dai, de uma vida inteira me defendendo do macho dominante vaidoso e rejeitado, daquele que eu não quero.

Quando assumo a característica de que sou bonita, sou atraente sei o peso que isso é e foi na minha vida, mas hoje sei me defender muito mais e quero, preciso falar disso, a objetificação e posse da beleza ou do que cada um julga ser belo. 

Eu tinha 13 anos quando me chamaram pela primeira vez de PUTA. Foi devastador na minha vida e ao mesmo tempo libertador. Porque se eu já era puta com apenas 13 anos eu de cara percebi que ser associada a essa palavra não tem nada a ver com o significado que ela trás. 

Nos meus 45 quase 46 anos posso te afirmar que se te chamarem de PUTA provavelmente você é uma mulher interessante, bonita e que sabe o que quer e faz o que tem vontade. Essa é a puta que fui, sou e sempre serei, puta, livre, puta-livre para fazer e ser quem eu quiser! 

Eu tinha apenas 13 anos quando descobri a minha luta. Era julho de 1988. 

(me perco nas datas, mas o carimbo do passaporte não me deixa enganar! -1988-)



São Paulo, 27 de dezembro de 2020.

 

 

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