Crônicas, Contos, Pensamentos, Poesias e Teatro

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Pensamentos e Reflexões

sábado, 27 de abril de 2019

Em algum TERREIRO por ai!!


Era 2009 eu estava há duas semanas da estreia da peça que eu idealizei e produzi.
Tudo começou numa feijoada de despedida do Musical Bixiga, eu estava tão chateada que tudo ia acabar que convenci três do grupo; duas atrizes, a preferida do diretor e a que gostava de escrever como eu e o diretor de cena, passamos o ano nos reunindo na mesa da cozinha dele construindo o texto e depois ensaiando em salão de festas emprestados.
Produzimos tudo; o figurino, cenário, fotos, folder, cartaz, gráfica, gelo, o Teatro que eu paguei com um cheque caução sem fundos!
Eu estava realmente super pilhada e ansiosa, dentro do processo criativo normal de levantar um espetáculo pela primeira vez e fiquei mexida quando minha super-mega-amada amiga Mari me chamou para uma semana sabática num Terreiro na Bahia, Festa de Oxalá.  Estava tudo encaminhado, dava direitinho para dar um pulo em Salvador, eu a Mari e as meninas, #sonho! Louca eu topei, achei que seria incrível essa oportunidade de conhecer intimamente um Terreiro de Candomblé. Na época eu era ateia, batizada na Igreja Católica Apostólica Romana.
Mas desde que tenho a menor consciência que sou um ser em construção, cheia de limitações, que procuro um caminho para a evolução. Já fui em tudo que você possa imaginar, Templo Budista, Alan Kardec, Igreja Evangélica (essa bem sem querer), Santo Daime.., e porquê não passar um finde num terreiro na Bahia?? No mínimo iria voltar energizada para minha estreia!
Nó em pingo d’água e tudo pronto para partir, já faz dez anos que tudo isso aconteceu mas vou me concentrar para não perder nada!
Fomos de avião, nós quatro, sempre é incrível estar com elas, voo rápido, no desembarque a Mari já encontrou paulistas, cariocas chegando para o mesmo destino.
Deixamos as meninas para a primeira noite na casa da minha tia Fátima e entramos no Terreiro as 23hs, a Mari me explicou que lá não poderíamos falar, pelo horário todos já estavam deitados, pediu que eu fizesse tudo exatamente igual a ela, e em silêncio. 
Entramos, só as luzes da Lua, uma casa antiga e branca, branco caiado, com janelas cinzas, corredor enorme no final chegamos no que deveria ser um átrio, aberto e com algumas árvores, esteiras cobrindo o chão com pessoas dormindo, eu e a Mari, eu copiando todos os passos dela, buscando onde pisar, em direção a uma portinha. Entramos, era uma espécie de “lodjinha”, lá pegamos todo o vestuário, uma calça, uma saia, uma pano de cabeça, a camiseta Hering cada um leva a sua. Tudo branco candido, com nossa vestimenta em mãos saímos do quartinho, atravessamos o átrio, depois um grande quintal de piso de terra e grama repleto de árvores, chegamos no vestiário com vários chuveiros, tiramos toda a nossa roupa e passamos pela ducha gelada, perguntei da toalha e escutei um: -shhhhhhhh Cecília!! Entendi que não tinha toalha e nem água quente, entendi também que fazia parte do processo se fuder um pouco!
Desligamos o chuveiro a Mari saiu e voltou com um balde de água marrom, meio café com leite que cheirava sela de cavalo, quando vi já logo perguntei;
-Que porra fedida é essa?
Ela derramou aquela água marrom fedida, metade em mim e metade nela, o fundinho com terra lógico que em mim, brava, lembrando-me que o combinado era eu ficar calaada!
Mandou eu vestir a roupa por cima. Só porque a essas alturas eu já estava bem contrariada, o banho gelado as 23:30 com o agravante de sem toalha, eu vesti a saia por baixo e lógico sujei a saia no piso molhado. Não podia sujar a saia, caraalha, por isso me pediu para vestir por cima, realmente eu tenho muito que evoluir... Como se eu fosse uma criança, a Mari me levou pelo braço com a saia suja até a lojinha e trocamos a saia.
Toda limpa, branca, sem nada de adereço, brinco, colar, nada, cabelo ensopado pingando e puxado para trás, ela pegou duas esteiras em um balaio grande e foi procurar um lugar no átrio para nós. Abrimos as esteiras e deitamos.
Um frio de matar, eu estava com o corpo molhado embaixo daquela roupa de algodão branca, estava há uma semana da minha tão esperada estreia com o cabelo molhado, no relento, sem coberta para dormir! Quem é ator sabe do pânico que senti, fazemos absolutamente TUDO para mantermos nossa saúde mental e física antes de uma estreia, mas eu estava ao relento, molhada a meia noite, 1 semana antes da estreia! Provavelmente em nem terei voz semana que vem, posso ter uma pneumonia.., sei lá! Não estava achando aquilo muito correto.
A Mari que dorme depois de ver toda a programação da televisão, já estava dormindo feito um bebê! Desgraçada só pode ter tomado um Dormonid!! Foi a maior dificuldade me desligar do frio, cabelo molhado, esteira, relento, mas dormi. Meia hora no máximo, antes de clarear ela me cutucou já de pé e enrolando sua esteira. Acordei num pulo, me apressou porque a fila do banho fica enorme....., fila do banho?? Meu cabelo ainda está molhado e tenho que tomar outro banho??
-Simmmm, aquele foi para limpar o que a gente trouxe da rua e esse já faz parte do ritual Águas de Oxalá!
Chegamos na fila, ainda não estava enorme, ela levava a uma portinha azul, nessa fila muita gente famosa, mas não vou falar quem. Chegou minha vez, entrei na porta, que dava para um quartinho com outra fila que levava para a varanda!! Cheguei na varanda um esguicho para tomar banho, pelada, não poderia ser diferente de todos. Não olhei e também ninguém me olhou.
Segundo banho tomado, nova roupa virgem e fomos para a sala principal, sentamos num cantinho, estava começando a clarear, tinha que esperar toda a casa se aprontar, passar por aquele ritual, até o mais velho/a chegar e começar a descida de Oxalá com o balde na cabeça.
Uma entidade que não sei quem é, avalia a lata que você vai carregar, recebi uma de tinta, daquelas quadradas de 18 litros, mas vi outras pessoas com latas de milho! Cada um com a sua, passamos por outra fila para encher a lata de água, outra entidade encheu e comecei a descida da escadaria com ela na cabeça. Olha aquela lata de tinta cheia de água até o talo ia afundar meu miolo mole! E convicta que aquilo não faria bem a minha saúde, a cada passo que dava, a cada degrau eu deixava cair um pouco, quando cheguei lá embaixo estava com menos da metade!
Desce, sobe escadaria, quase meio dia, e começa a chegar muita gente, mulheres também de branco, mas cobertas de ouro, maquiagem, adereços e perfume doce. Tive certeza que deve ser a tal sociedade Soteropolitana!
Sol esquentando, eu exausta só conseguia pensar no café da manhã da minha tia baiana com cuscus e banana frita!
Depois de uma tentativa de dormir na casinha alugada, um entra e sai de gente, impossível dormir, eu não aguentei, abandonei o barco, corri para titia curtir uma praia do Forte tomando Sol com as crianças.
Voltamos todas no Terreiro para o encerramento da semana de Oxalá, descansada e serena, observando tudo meio distante, mas muito feliz, com total consciência da minha "pequinês" e que nada é melhor que curtir a Natureza, entrar no Mar, se jogar nos braços de Yeh Mãe Jah, família, amigas de verdade e as crianças para renovar, recomeçar. 
Observe as crianças, elas sabem tudo!

foto: exaussssta

quarta-feira, 17 de abril de 2019

FOCO

Acho engraçado quando me cobram foco.
Nasci focada, desde criança sempre soube que queria ser atriz. 
Demorei um pouco para assumir minha vontade e encarar o sonho. Com 25 anos joguei o pouco que tinha para cima e fazendo um freela para uma super amiga na Rede Globo com figurino aquele sonho lá atrás veio com tudo, não adianta fugir, a vida toda com uma pontada de certeza que lá é meu lugar, lá ou o que significa a Globo para mim. A melhor empresa para se trabalhar com dramaturgia, a fábrica de sonhos que sempre alimentou meu imaginário mais profundo.
A temporada do seriado acabou e a locação foi para o Rio de Janeiro, numa nova fase, minha chefe e eu fomos convidadas para continuar na equipe, nem ela nem eu tínhamos bala na agulha para isso, Rio de Janeiro é absurdo de caro e não estava nos planos... 
O trabalho encerrou e eu fui me matricular na escola de Teatro mais perto de casa, morava em Santa Cecília e fui para o Macunaima, deslumbrada com o universo da interpretação, deslumbrada! Cursei dois ou três semestres, eu e duas colegas queríamos mais e a escola de teatro Célia Helena desde minha época de modelo já era babado. Migramos recomeçando do zero para o Célia. Melhores anos da minha vida, muito aprendizado em pouco tempo, um tapa na cara quase todo dia. Sinto saudades e quando conseguir quero voltar, fazer uma atualização, em roteiro.
Em 2007 formei atriz, já era Nutricionista, mas isso ainda não interessa, drt ativo, currículo, fotos, tudo em ordem e em mãos fui para o cadastro da Globo, fui muito bem recebida e entrevistada pelo Zeca Bittencourt, conversa gostosa, entrevistador leve. Uma semana depois o mesmo me ligou marcando o vt que eu estava com sorte, estavam procurando atriz com meu perfil. Busca louca de monólogos, nãooo consigo me lembrar qual fiz, sei que é tudo meio uma fórmula parecida, talvez tenha feito algo autoral, detestaria um dia ver ou lembrar!  
Foi a única oportunidade que tive e com certeza não estava preparada, uma vida sonhando para resolver tudo em dois dias, texto-respira-calma-studio-vida toda passando na cabeça-ação!
FOCO
12 anos se passaram, de televisão o que aumentou minha bagagem foi uma média de 1 filme publicitário por ano e um seriado de 13 capítulos com a equipe israelense falando um inglês engraçado, assim como o meu!! Ali consegui criar um personagem dormir e acordar, maturar, entender a criação do personagem. Amei falar em inglês e soltei a clássica EU TE AMO em hebraico; “any oeveth otrah!”
Na publicidade eu aprendi o time de gravação, não tropeçar nos fios, derrubar o cenário, dar o texto na hora certa, esperar, esperar e esperar sua vez, esperar mais um pouco, entender quem é quem nos seus postos e gravar tudo em 5 minutos. Você aprende tudo isso mas não a conviver e evoluir o Personagem e suas nuances. Não dá tempo para nada, além de um exercício que faço para a musculatura do rosto entre um corta e ação! 
FOCO
Nove ou dez peças no meu currículo, sendo que duas grandes experiências com; Bixiga, o Musical na Contra-mão em 2009 e a peça com minha co-autoria e produção Salvo em Rascunhos em 2010 e 2011.
FOCO
Para sobreviver com um filme publicitário por ano, duas peças em uma década me tornei muito versátil, nesse tempo fui recepcionista em agência publicitária, gerente de escritório de advocacia criminal, atendimento em produtora audio visual, gerente comercial de escritório chileno de importação e exportação, SOU petsitter louca alucinada, especialista em gatos, estudante de concurso público,  contadora de histórias, dona de casa das antigas e cozinheira do Mau.
FOCO
Quando me pedem foco fico chateada porque para eu conseguir ter foco no que eu amo, a Arte Dramática eu tive que aprender a fritar o peixe e olhar o gato. Tive que aprender a tocar a vida, pagar as contas mas sempre com o foco de ter espaço para correr para um teste ou um texto, esse é meu maior FOCO.