Crônicas, Contos, Pensamentos, Poesias e Teatro

Contos, Crônicas, Poesias e Teatro
Pensamentos e Reflexões

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Quem tem medo de lobo mau ou melhor vamos atualizar o termo, de ALICIADORES??


 

Quando eu penso que cheguei até aqui sã e salva me dá um grande alívio e uma vontade imensa de falar sobre isso. Tem a ver com um texto que escrevi há pouco sobre ser mulher. Graças a Deus e a todos os santos e orixás, à minha mãe e vó que sempre foram muito enfáticas e radicais em mostrar a visão machista da nossa sociedade absolutamente patriarcal. E não estou falando de duas mulheres submissas, muito pelo contrário!

Estou falando de uma sociedade onde uma menina de shortinhos e top andando na rua está pedindo para ser violentada, só para a gente se situar de onde estamos. Brasil século XXI.

Eu fui treinada por uma ascendência de mulheres fortes, belas, inteligentes e brutas para perceber de longe, léguas na frente quem quer tirar proveito. Penso nos meus pais de mãos atadas ao meu crescimento, de uma menina quase criada e recém saída exclusivamente do calor de seu lar. Partindo do princípio, que com quinze, dezesseis anos a maioria, não todas algumas se salvam, mas a grande maioria sabe tudo, não tem o que aprender, não tem medo de nada, não quer escutar sobre os perigos de lá fora e é sobre essas crianças que eu temo.

Consigo perceber que isso se estende para meninos, meninas ou menines, para todos os inocentes, que no auge da adolescência se julgam detentores de todo o saber, até se depararem com uma situação que não conseguem resolver e esse é meu maior medo. Que se deixem corromper nessa idade da ingenuidade curiosa. Essa geração da preguiça e alta tecnologia. Digo ingenuidade no sentindo de vida mesmo, porque não existe como uma pessoa que não viveu nem duas décadas achar que pode se virar nesse mundão de ninguém sozinha.

Felizmente ou infelizmente sempre por mais sabida que eu me sentia, sempre tive medo. Medo de tarado, de sequestro, cativeiro, de estupro, de virar um produto barato no Mercado de humanos. Medo de ser vítima de um crime passional, de me jogarem pela janela por um motivo fútil, medo de engravidar fora da hora, medo de me meter com pessoas erradas e mudar drasticamente meu destino. Sempre o medo, mas esse medo que me conservou VIVA e dona da minha vida até hoje, esse medo que me mantém firme até aqui para contar todas essas histórias.

Com onze anos estava almoçando com meu pai num restaurante chique, vestida de caipira porque tinha acabado de dançar quadrilha na escola, no Dante, quando fomos abordados por um olheiro” palavra que não escuto faz vinte anos. O olheiro direcionou sua fala para meu pai, como deveria ser, se apresentou entregando um cartão de visita da agência que trabalhava, a mais bacana da época, Class agência de modelo, perguntando se ele não deixaria eu ser modelo! Pulo na cadeira, eu sempre soube que era mais aparecida que o normal e fiquei bem agitada. Meu pai pegou o cartão, falou que ia pensar e guardou. Quando o cara voltou para sua mesa eu já me sentia a Luciana Vendramini ou a Pietra e meu pai logo de cara me jogou todos os perigos da vida de modelo finalizando na boca do lixo, na Espanha, sem ter como voltar. Assustador, escutei com atenção, até hoje lembro bem, mas na época achei tudo um exagero. 

Não adiantou o discurso inflamado dele, estava no meu caminho e mesmo não sendo do seu agrado, ele não me proibiu, nunca foi autoritário. Comecei a perceber que nem tudo que eu queria ele ia aprovar, mais tarde vi que estava absolutamente errada, na minha estreia no teatro ele se emocionou e disse que me viu com uma segurança que ele não conhecia, que ele nunca tinha visto. Bastou isso para eu seguir em frente. Pai.

Como deve ter sido difícil ele me ver crescer e desenhar meu caminho! Difícil para ele e para todos os pais e mães, percebo claramente mesmo não tendo filhos. Pô uma menina que viveu sob a proteção do amor de seus familiares, amigos e colegas de escola vai saber se virar nesse mundo cruel que vivemos? Onde uma menina de 16 anos pode ser desejada, manipulada, e conviver com lobos soltos por ai, em qualquer canto? Como preparar uma criança para a vida? Como proteger essa criança, ensinar ela a se defender? Como?

Esse assunto me deixa tão perdida que sinto a necessidade de abordá-lo. Como preparar nossas crianças para a vida?? Como dar confiança e sentir segurança que as crianças estão prontas para o mundo lá fora, para as maldades da rua, quando tudo que elas querem é simplesmente ir embora? Ganhar o mundo.

Lembro de tantas coisas, penso em tantas coisas, me sinto grata por todos os ensinamentos dos meus pais e da minha vó, ensinaram desde sempre, que existe maldade e por isso sempre consegui enxergar e afastar os aliciadores que chegaram perto, eles existem aos montes, precisamos falar, precisamos proteger nossas crianças.

Pode ser uma amiga que te leva de isca, alguém no trabalho, uma vizinha, alguém na escola, na padaria, na papelaria, em qualquer lugar, disfarçado de qualquer tipo de pessoa normal. Mas não, não é normal, é alguém querendo tirar vantagem em cima de outro, -alguém tirando vantagem em cima de você-, alguém te usando em troca de algum benefício, pagamento, seja lá o que for. 

Não posso agradecer meu pai, mas posso escrever esse texto e quem sabe inspirar outros pais a serem como o meu, a serem mais zelosos do que estão sendo nesse momento, porque as crianças podem ter 15, 20, 25 anos e ainda são crianças começando a entender e explorar o mundo. Oremos.

Vamos lutar por um mundo diferente, vamos deixar nossas crianças crescerem naturalmente, faça você sua parte, eduque os seus e NUNCA, nunca corrompa uma criança para alimentar uma fraqueza, lute de verdade por um mundo melhor, para os seus, para todos, chega de tanta maldade. 

Observe o que você alimenta na sua mente. Se policie, a nossa mente não pode ser terra de ninguém, você escolhe as pastas que quer acessar.

Dear Sugar, quando você paga por favores a uma criança, você está CORROMPENDO uma geração, está tirando uma criança do cólo de seus pais para jogar sabe onde?? Onde você não quer sua filha ou sua mãe. 

Eu quero um mundo melhor. Eu quero que a humanidade tenha continuidade.

Eu exijo respeito.

Cala a boca e presta atenção no que seus pais falam!


(*) ilustração Paul Gustave Doré (Estrasburgo6 de janeiro de 1832 — Paris23 de janeiro de 1883


(pensamento em constante construção)

 

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Tocs de uma Mente (confusa) Capricorniana

Conversando com minha melhor amiga que mora milhas daqui, tenho duas grandes, infinitas e crônicas melhores amigas que estão bem longe, Sydney e Los Angeles. Então dependo de câmeras, wi-fi e computadores para me relacionar faz tempo. Talvez por isso me sobre tanto assunto para escrever. As vezes chamo uma delas cheia de conflitos internos para debater, mas acabo esquecendo e deixando elas falarem. Gosto de ouvir as histórias das crianças.., ouço atenta e me esforço para trazer uma luz, uma visão sempre otimista. De fora é tudo tão mais fácil…! 

Minhas amigas filhas da puta fazem muita falta no meu dia a dia!

A real é que essa pandemia me fez perceber que eu sempre vivi um tipo de isolamento, vendo as pessoas chegarem e saírem. E eu no mesmíssimo lugar. Eu enxergava só o lado ruim disso, era uma sensação de ver o mundo passar pela janela de casa ou da tela do computador, como uma novela e nunca chegava minha vez, a hora da minha fala. Ou quando chegava a oportunidade eu tinha esperado tanto, tanto que mal conseguia relaxar e curtir. Me mostrar de verdade. A ansiedade da solidão pode transtornar as relações, o modo como a gente troca com o outro. Como escutar e como se expressar. Mas como toda moeda tem dois lados, a vantagem é que tive bastante tempo para entender de tecnologia, montar meu escritório, arrumar minha casa, a de dentro e a de fora, do jeito que eu gosto que fico confortável, quieta, tranquila. Em casa.

Como capricorniana a vida me mostrou que para eu conseguir criar, ou para acalmar meu coração eu preciso antes organizar tudo ao meu redor, casa limpa, cama arrumada, roupa na máquina batendo (música para meus ouvidos!), frutas na fruteira, geladeira OK, cafezinho quente, copinho d'água.., assim consigo me sentir totalmente livre para deixar minha mente viajar. Até quando vou de fato viajar, eu faxino a casa toda do teto ao chão e antes de sair vou filmando cômodo por cômodo, janelas travadas e torneiras fechadas. Bocas de gás todas 1, 2, 3, 4 e forno! Forninho elétrico, tomada off, torneira máquina de lavar, apertada. Pia, geladeira, pronto, última olhada panorâmica e fecha porta, duas voltas –filmando tudo- tiro a chave e guardo no porta-chaves (*) no bolso interno da mala. Dou o stop e tenho o documento de que cumpri com todo meu check-list. Com esmero. Relaxa!! Qualquer pânico, sem pânico!! Posso seguir adiante. Isso porque não tenho mais um gatito, dai eu nem conseguiria sair de casa. No momento estou proibida por mim mesma de ter qualquer distração peluda ronronando olhando no fundo dos meus olhos. Viro zumbi-escrava, ainda não tenho maturidade.

Outra mania que trago da infância, Lego, mudo tudo o tempo todo, todos meus móveis são “itinerantes”, fácil de movimentá-los e quase todos posso fechar e guardar, adoro me surpreender e quando não quero mais, quando preciso de espaço, desmonto e num passe de mágica escondo no baú da minha cama ou no box do banheiro espelhado, meu almoxarifado.

Ando com uma obsessão especial por mesas. Mesas dobráveis. Tenho uma 60x60 daquelas que chamam de Beer, ela é realmente boa para isso, porque não cabe nada mais que um computador, nada de cadernos, livros e copo com canetas. Na primeira fase da pandemia cheguei a projetar dois tipos de mesa, uma lousa que vira mesa (**) e outra tipo prateleira, engraçado, sempre dobráveis. Mas deixei pra lá os projetos, muita confusão em plena quarentena. Dois meses depois, graças ao maldito algoritmo, achei uma escrivaninha que fecha de 1mx50cm perfeita, comprei. E esperei nervosa os 45 dias de entrega que ganharam mais 30 e nesse tempo acabei comprando uma prateleira em um loja e dois cavaletes em outra, torcendo para chegarem antes da escrivaninha. Chegaram antes e logo em seguida ela, a tão esperada. Feliz demais com minha mesa de trabalho!

Não satisfeita achei uma outra mesa, agora mesa mesmo, 1,20x0,70, caceteee é possível uma pessoa despirocar em mesa? Porque ontem fui dormir pensando na mesa, agora mesa e não mais escrivaninha, posso usar para jantares e guardar de novo no baú da cama, não é sensacional?? Ou estou meio atrapalhada mesmo, afinal são mais de seis meses vivendo exclusivamente em casa, melhor canalizar minha piração em outra mania que tenho além das mesas e reformas: fazer contas e esse mês eu já cheguei no meu limite.

Como amo fazer contas! Tem a ver com minha vida de atriz que precisa esticar o cachê, o outro lado sem glamour, que as pessoas não veem, render o que tenho, que tem a ver com meu lado consumista e tem também muito a ver com minha Liberdade. Organizar as finanças é LIBERDADE, é ter o controle real da nossa vida. Isso que me faz não despirocar mais nas mesas. Só vou comprar quando meu orçamento permitir. Click. Muda o foco.

Eu entendi que minha criação está totalmente relacionada com meu estado de espírito, se estou calma, a casa organizada, as contas em dia, a vida tranquila, consigo deixar minha mente fluir tranquilamente e expandir. Por isso insisto controle financeiro, organização, limpeza, disciplina é Liberdade! Dá espaço de ser feliz, de refletir, sonhar, de ter esperança e é isso que nos move, esperança de dias melhores. Por isso importante olhar sempre para dentro, onde está, o que está pensando e alimentando, o que faz pela sua matéria e pelo seu espírito? Somos totalmente responsáveis pela nossa vida.

Eu cuido de mim, aprendi a me amar, a lutar pelo meu bem estar e estando bem posso também cuidar dos outros. Quanto mais olho para dentro, mas quero estender minha mão!

A força está dentro de nós, cada um com a sua.

26 de dezembro de 2019

                  (**) projeto mesa sob medida, primeira fase pandemia

(*) língua presa na costura do bolso interno da mala, com um  mini mosquitão para prender o chaveiro


“... O tempo não pára no entanto ele nunca envelhece

Aquele que conhece o jogo, o jogo das coisas que são

É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão...”  🎶 🎶 🎵  (Caetano Veloso)