Crônicas, Contos, Pensamentos, Poesias e Teatro

Contos, Crônicas, Poesias e Teatro
Pensamentos e Reflexões

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Diálogos da Pandemia

Diálogos da Pandemia


Cica Aguirre (Dramaturgia em Miniatura)

Ela -Vai esquentar água??

Ele -Ahãnn, vai mandar alguma coisa?

Ela -Credo, passa uma água no canecão. Só joga essa e coloca outra, já está bom

Ele –Mandou, sabia!

Silêncio

Ela -Você está esquentando para o chá?

Ele -Ahãnn

Ela –Ueba! Camomila!

Ele se vira para ela sem entender e os dois caem numa longa gargalhada

Ela -Pode ser cidreira! Cidreira, cidreira!

Ele -Passa uma água??

Ela -o quê? Espumou??

Ele -Ficou turva!!

Ela -esquentei a xícara de leite do pão

Várias coisas aconteceram, várias coisas acontecendo. Caralho. Muita coisa acontecendo.
Descobri que toda a população enlouqueceria se vivesse em isolamento, eu não. Sobreviveria feito uma barata à bomba atômica. Eu e todas as baratas, como se eu gostasse delas. Juro, não gosto!
Descobri meu real hálito e de manhã não é legal, descobri também que usar havaianas o dia todo dá chulé sim, agora entram no banho comigo.
Descobri que aquele barulho de click toda noite às dez em ponto, é a vizinha do lado que apaga as luzes, às dez da noite, em ponto!
Descobri que de tanto observar as pipas, eu posso ser a maior corta linha do bairro, já desenvolvi várias técnicas baseadas na mais absoluta observação, gosto daquela bem agressiva que vai se aproximando "dibicando" e você percebe que cortou quando a pipa vítima, já sem tensão desfalece numa copa de árvore, colorindo ainda mais o céu do bairro. Ai meu bairro, gosto tanto, gosto tanto da minha casa, das minhas coisas, da minha vida, mesmo que assim, isolados. Prefiro mil vezes isso do que nada. Do que não existir. Quase 100 mil pessoas deixaram de existir, simplesmente assim, desmaterializam das nossas vidas, assim mesmo, sem despedida, sem choro nem vela. Sem enterro, sem adeus. Prefiro eu assim, bem quieta arrumando minhas ideias e construindo textos. Descobrindo…, defeitos e qualidades que eu nem percebia que tinha, descobri que sou egoista e resiliente, tenho bafo de manhã e posso ter chulé. Descobri como é difícil viver realmente a dois! Só dois, nada mais que dois. Descobri como foi difícil viver até aqui e como pode ser tranquilo os próximos anos que virão, principalmente se continuarmos por aqui!
Dai poderei falar com orgulho, resisti a pandemia, nem infectada e nem transmissora fui! Continuo fiel a minha transparência, a minha existência de reclusão. Melhor, por opção do destino, continuo fiel a minha existência transparente, invisível, neutra e reclusa na antiga espera, a eterna espera. Quando vai chegar a minha vez? Quando abandonei, quando larguei tudo aconteceu, o que fez acontecer a minha ex espera ou a minha construção em solilóquio? Ou meu monólogo, minha ladainha, sempre lutando sozinha…

Sem escutar Ele entrega a xícara de chá para ela

Ele -uma gota?!

Ela -cidreira, todo dia cidreira, amo cidreira, abro a caixa e dos nove quadradinhos, um tem erva doce, outro camomila com dois saquinhos e quatro quadradinhos lotados de cidreira, porquê é meu chá preferido. Estimulante ao mesmo tempo calmante, estimula o que precisa e acalma o coração. Eu tinha pensado na Camomila, mas deixa para lá, tá tudo bem!

Ele -O que vamos ver?

Ela -Ué? O dono do controle remoto?

Ele -que dia é hoje, hein?

Ela -Tanto faz!





F I M

Um comentário: