Era 2009 eu estava há duas
semanas da estreia da peça que eu idealizei e produzi.
Tudo começou numa feijoada de
despedida do Musical Bixiga, eu estava tão chateada que tudo ia acabar que
convenci três do grupo; duas atrizes, a preferida do diretor e a que gostava
de escrever como eu e o diretor de cena, passamos o ano nos reunindo na mesa da
cozinha dele construindo o texto e depois ensaiando em salão de festas
emprestados.
Produzimos
tudo; o figurino, cenário, fotos, folder, cartaz, gráfica, gelo, o Teatro que
eu paguei com um cheque caução sem fundos!
Eu estava realmente
super pilhada e ansiosa, dentro do processo criativo normal de levantar um
espetáculo pela primeira vez e fiquei mexida quando minha super-mega-amada amiga
Mari me chamou para uma semana sabática num Terreiro na Bahia, Festa de Oxalá. Estava tudo encaminhado, dava direitinho para dar um pulo em Salvador, eu a
Mari e as meninas, #sonho! Louca eu topei, achei que seria incrível essa
oportunidade de conhecer intimamente um Terreiro de Candomblé. Na época eu era ateia, batizada na Igreja Católica Apostólica Romana.
Mas desde que
tenho a menor consciência que sou um ser em construção, cheia de limitações,
que procuro um caminho para a evolução. Já fui em tudo que você possa imaginar,
Templo Budista, Alan Kardec, Igreja Evangélica (essa bem sem querer), Santo
Daime.., e porquê não passar um finde num terreiro na Bahia?? No mínimo iria
voltar energizada para minha estreia!
Nó em pingo d’água e tudo pronto
para partir, já faz dez anos que tudo isso aconteceu mas vou me concentrar para
não perder nada!
Fomos de avião, nós quatro,
sempre é incrível estar com elas, voo rápido, no desembarque a Mari já encontrou paulistas, cariocas chegando para o
mesmo destino.
Deixamos as meninas para a
primeira noite na casa da minha tia Fátima e entramos no Terreiro as 23hs, a
Mari me explicou que lá não poderíamos falar, pelo horário todos já estavam
deitados, pediu que eu fizesse tudo exatamente igual a ela, e em silêncio.
Entramos, só as luzes da Lua, uma
casa antiga e branca, branco caiado, com janelas cinzas, corredor enorme no final
chegamos no que deveria ser um átrio, aberto e com algumas árvores, esteiras
cobrindo o chão com pessoas dormindo, eu e a Mari, eu copiando todos os passos
dela, buscando onde pisar, em direção a uma portinha. Entramos, era uma
espécie de “lodjinha”, lá pegamos todo o vestuário, uma calça, uma saia, uma
pano de cabeça, a camiseta Hering cada um leva a sua. Tudo branco candido, com
nossa vestimenta em mãos saímos do quartinho, atravessamos o átrio, depois um grande quintal de piso de terra e grama repleto de árvores, chegamos no vestiário com vários chuveiros, tiramos toda a nossa roupa e
passamos pela ducha gelada, perguntei da toalha e escutei um: -shhhhhhhh
Cecília!! Entendi que não tinha toalha e nem água quente, entendi também que
fazia parte do processo se fuder um pouco!
Desligamos o chuveiro a Mari saiu e voltou com um balde de água marrom, meio café com leite que cheirava sela de cavalo, quando vi já logo
perguntei;
-Que porra fedida é essa?
Ela derramou aquela água marrom
fedida, metade em mim e metade nela, o fundinho com terra lógico que em mim, brava, lembrando-me que o combinado era eu ficar calaada!
Mandou eu vestir a roupa por
cima. Só porque a essas alturas eu já estava bem contrariada, o
banho gelado as 23:30 com o agravante de sem toalha, eu vesti a saia por baixo
e lógico sujei a saia no piso molhado. Não podia sujar a saia, caraalha, por isso me pediu para vestir
por cima, realmente eu tenho muito que evoluir... Como se eu fosse uma criança,
a Mari me levou pelo braço com a saia suja até a lojinha e trocamos a saia.
Toda limpa, branca, sem nada de
adereço, brinco, colar, nada, cabelo ensopado pingando e puxado para trás, ela
pegou duas esteiras em um balaio grande e foi procurar um lugar no átrio para nós. Abrimos as esteiras e deitamos.
Um frio de matar, eu estava com o
corpo molhado embaixo daquela roupa de algodão branca, estava há uma semana da
minha tão esperada estreia com o cabelo molhado, no relento, sem coberta para
dormir! Quem é ator sabe do pânico que senti, fazemos absolutamente TUDO para
mantermos nossa saúde mental e física antes de uma estreia, mas eu estava ao
relento, molhada a meia noite, 1 semana antes da estreia! Provavelmente em nem
terei voz semana que vem, posso ter uma pneumonia.., sei lá! Não estava achando
aquilo muito correto.
A Mari que dorme depois de ver
toda a programação da televisão, já estava dormindo feito um bebê! Desgraçada
só pode ter tomado um Dormonid!! Foi a maior dificuldade me desligar do frio,
cabelo molhado, esteira, relento, mas dormi. Meia hora no máximo, antes de
clarear ela me cutucou já de pé e enrolando sua esteira. Acordei num pulo, me apressou
porque a fila do banho fica enorme....., fila do banho?? Meu cabelo ainda está
molhado e tenho que tomar outro banho??
-Simmmm, aquele foi para limpar o
que a gente trouxe da rua e esse já faz parte do ritual Águas de Oxalá!
Chegamos na fila, ainda não
estava enorme, ela levava a uma portinha azul, nessa fila muita gente famosa,
mas não vou falar quem. Chegou minha vez, entrei na porta, que dava para um
quartinho com outra fila que levava para a varanda!! Cheguei na varanda um esguicho para
tomar banho, pelada, não poderia ser diferente de todos. Não olhei e também
ninguém me olhou.
Segundo banho tomado, nova roupa virgem e fomos para a sala principal, sentamos num cantinho, estava começando a
clarear, tinha que esperar toda a casa se aprontar, passar por aquele ritual,
até o mais velho/a chegar e começar a descida de Oxalá com o balde na cabeça.
Uma entidade que não sei quem é,
avalia a lata que você vai carregar, recebi uma de tinta, daquelas quadradas de 18
litros, mas vi outras pessoas com latas de milho! Cada um com a sua, passamos
por outra fila para encher a lata de água, outra entidade encheu e comecei a descida da escadaria com ela na cabeça. Olha aquela lata de tinta cheia de água
até o talo ia afundar meu miolo mole! E convicta que aquilo não faria bem a
minha saúde, a cada passo que dava, a cada degrau eu deixava cair um pouco,
quando cheguei lá embaixo estava com menos da metade!
Desce, sobe escadaria, quase meio
dia, e começa a chegar muita gente, mulheres também de branco, mas cobertas de ouro,
maquiagem, adereços e perfume doce. Tive certeza que deve ser a tal sociedade
Soteropolitana!
Sol esquentando, eu exausta só conseguia pensar no café da
manhã da minha tia baiana com cuscus e banana frita!
Depois de uma tentativa de dormir na casinha alugada, um
entra e sai de gente, impossível dormir, eu não aguentei, abandonei o barco, corri para
titia curtir uma praia do Forte tomando Sol com as crianças.
Voltamos todas no Terreiro para o encerramento da semana de
Oxalá, descansada e serena, observando tudo meio distante, mas muito
feliz, com total consciência da minha "pequinês" e que nada é melhor que curtir a Natureza, entrar no Mar, se jogar nos braços de Yeh Mãe Jah, família,
amigas de verdade e as crianças para renovar, recomeçar.
Observe as crianças, elas sabem tudo!
foto: exaussssta